Pierre Rosa

Meu Palhaço no Bondinho do Pão de Açúcar

Tempo de leitura: 21 minutos



Grande parte do que eu escrevi eu falei nesse vídeo. Se você não souber ler ou tiver sem paciência. APERTA O PLAY

Quanto mais velho eu fico mais eu concordo com os ditados populares. E os ditados que eu não concordo talvez eu vá concordar num futuro. 

“Sempre é tempo de aprender!” Nem sei se isso é um ditado popular, mas segue o baile.

Fui contratado pela empresa do Bondinho do Pão de Açúcar, no Rio de Janeiro, em Julho de 2023 para ser o animador, o palhaço, o Muti-artista ( assim como eles me chamam) no bondinho. 

Porque fui contratado?

As filas de espera são longas no bondinho quando está cheio. O maior tempo de espera que presenciei foi algo perto de 1h30m desde o momento que a pessoa chega na Urca até o momento que embarcar no bondinho para subir para o primeiro morro.  Há também as filas de embarque nos morros, mas isso é outro assunto.

As pessoas, ou melhor, os visitantes/turistas reclamam muito do tempo de espera. E como a empresa não instala mais bondes, a solução encontrada foi colocar algum tipo de entretenimento durante o tempo de espera na fila e esse entretenimento acabou sendo eu.

ANTES DE FECHAR O ACORDO

Numa quarta-feira entraram em contato comigo via direct do Instagram. A mensagem era da Jurema ( o nome da pessoa é outro, vou usar esse para preservar ) ela disse que trabalhava no bondinho e queria falar comigo sobre uma apresentação. 

Como é de praxe, eu respondi, mas não dei muita importância, porque essas mensagens que eu recebo de pessoas querendo contratar apresentações através do IG nunca deram em nada. A pessoa interessada manda mensagem para um milhão de artistas em busca sempre do menor preço, eu nunca peguei um trampo assim. Mas dessa vez, eu me enganei feio! AINDA BEM! heheheehh 

Trocamos algumas mensagens no IG e depois no WhatsApp e marcamos uma reunião no local. Uma visita técnica! 

Na quinta-feira fui conversar com a Jurema lá na Urca, bairro onde fica o Bondinho.

Fazia muito tempo que eu não ia na Urca, na área onde é o bondinho. Quando cheguei lá tinha muita, mas muita gente! Muita gente nas filas. Sim, filas. Várias filas, uma do lado da outra. E todas as filas faziam a volta na esquina!

Não tenho fotos das filas grandes. Essa é uma das poucas que tenho com fila!

Encontrei a Jurema e começamos a conversar. 

Ela me explico o que queria de mim. A medida que ela falava eu ia pensando o que seria possível fazer.

O QUE ELA QUERIA DE MIM

Parte da conversa que tivemos por telefone é de que eu teria que entreter as pessoas nas filas de espera para embarque no bondinho.

Havia muita reclamação sobre o tempo de espera nas filas e a administração da empresa queria fazer algo para que essa espera se tornasse menos “sofrida”. 

Então quando eu cheguei lá e vi aquele monte de fila eu já comecei a imaginar o que poderia ser feito.

Como eu já tinha trabalhado em hotéis e navios eu entendia o que eles queriam. 

Na época que trabalhei em navio eu até fazia essa função de entreter as pessoas nas filas de desembargue nos portos que parávamos. Então achei que seria algo parecido. Só achei! 

Encontrei a Jurema e também uma colega de trabalho dela, que aqui vou chamar de  Waldirene. 

Elas me mostraram onde eu teria que fazer meu trabalho e explicaram mais a fundo o que esperavam de mim.

Elas queriam que eu fizesse brincadeiras divertidas com as pessoas. Truques de mágicas, piadas, números de interação e o que mais eu pudesse criar.

Sinceramente, quando eu comecei a ver a dimensão do trabalho, meu deu um frio na barriga, daqueles onde eu duvidei se eu seria capaz de fazer.

O mês era Junho, por isso elas queriam que eu estivesse vestido com uma roupa que representasse as festas juninas, mas a única roupa que eu tinha era a minha de palhaço. Foi então….

Foi então que elas disseram que não estavam querendo um palhaço porque achavam que palhaço não era a cara do que elas queriam e também porque elas tinham receio das pessoas não gastarem. 

Uma observação, toda vez que eu falo elas, entenda a empresa. Jurema e Waldirene são as pessoas que representam a empresa, então tudo que “elas” querem e pedem vêm da administração da empresa. 

Voltando a minha roupa. 

Eu senti que elas tentaram ter o maior cuidado ao falar que não era bem um palhaço que elas queriam ali, e sim uma figura, uma personagem para alegrar as pessoas. Parecia que elas tinham problema com a figura do palhaço.

Como o tempo para começar o trabalho era curto, eu não conseguiria encontrar um figurino que pudesse se adequar ao pedido delas. 

Eu enviei varias fotos da roupa do meu palhaço e elas aprovaram.

Outro fator curioso a respeito desse trabalho é que eu tenho medo de altura. Não é só medo. Eu me bórro de medo de altura. E no dia da visita técnica eu tive que andar no bondinho. 

Subi nos 2 morros. Fui conhecer todos as estações de embarque e desembarque, pois seriam os locais para eu fazer meu trabalho. O meu palco. As pernas tremiam e tremeram todas as 500 vezes que entrei no bondinho.

Uma situação recorrente que acontece quando eu encontro o contratante para conversar sobre o que ele quer que eu faça e o que é possível fazer, é que muitas das ideias sugeridas pelo contratante, muitas vezes, não são possíveis de realizar. 

Um exemplo, que não tem relação com esse trabalho do bondinho, mas já aconteceu algumas vezes. As vezes a empresa está promovendo algum tipo de campanha de marketing e tem um slogan. O contratante quer que eu use o slogan pois será engraçado! E não é! 

Enfim, pontos acertados do que e como eu iria trabalhar, me despedi e fui me preparar para voltar em 2 dias. 

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1º Dia ( Sábado )

Que sensação boa e desafiadora é essa de ter que fazer um novo trabalho.

Você se prepara o máximo que dá, imaginando tudo que pode acontecer, mas sempre tem a chance de você ter imaginado tudo errado.  

A carga horária era pesada. Das 08h30 as 20h! Quase 12 horas de ação. Eu não tinha me atentado a isso até estar vivenciado. 

Nos dias que antecederam o trabalho, eu separei algumas brincadeiras que tenho de  palhaço. Brincadeiras do tipo bolha de sabão, óculos que aumenta os olhos, dentadura e jogos de cartas. Levei também algumas mágicas. Coisas simples, mas bem visuais. 

Eu tinha imaginado fazer algo do tipo “sombra” com as pessoas passando, brincar com os passantes no bom e velho estilo mímico. Em algum momento fazer um número de mágica. E interagir. 

Isso foi o que eu imaginei.

No dia, eu sai da cama as 7h para me preparar. Tomei café, alonguei, fiz aquecimento focal, coloquei minha roupa, preparei minha mochila com meus apetrechos, peguei um Uber e fui. 

Nos dias seguintes eu troquei o Uber pela bicicleta.  E é muito legal pedalar vestido de palhaço as 8h da manhã. As pessoas na rua abrem um sorriso quando me vêem. Nem todas as pessoas, mas uma grande parte!

Cheguei no bondinho às 8h e já tinha gente esperando para subir. Detalhe que o bondinho abre as 8h30. 

Passei por todos os tramites de registro na empresa para pegar o crachá. Com o crachá na mão, fui para um local a céu aberto onde tem uns bancos pois eu sabia que seria possível eu me maquiar lá. 

Maquiagem feita é hora da ação. 

A primeira coisa que eu tinha que fazer era conhecer as pessoas que já trabalhavam por lá. A Equipe de Atendimento. São as pessoas que recebem e direcionam os turistas para comprar os bilhetes, bem como resolvem todos os tipos de problemas que possam surgir. A galera é braba! 

Com quase todas as pessoas da equipe de atendimento que eu falava, eles me chamavam de mágico. Eu dizia que eu era um palhaço e não mágico. É muita responsabilidade ser chamado de mágico sendo que eu sei fazer no máximo meia dúzia de truques infantis.

Eles me chamavam de mágico porque 2 dias antes, teve um mágico por lá fazendo o mesmo trabalho que eu deveria fazer. Isso me colocou uma pulga atrás da orelha.

Eu pensei: “Se teve um mágico aqui e o cara não está mais, significa que eu posso ser dispensado também.” Esse pensamento me deixou em alerta. 

Finalmente eu estava onde deveria estar. No local onde todas as pessoas, os turista, chegam para entrar no bondinho, o lugar é chamado de Pergolado. 

O que é Pergolado?

Pergolado é uma estrutura que consiste em pilares ou colunas que sustentam um telhado com vigas ou treliças em filas paralelas. Esse telhado pode ser coberto com vidro ou outro tipo de material. Até mesmo pode ficar aberto para dar uma iluminação natural ao local.

A entrada do bondinho tem um telhado e isso é o pergolado. 

O que fazer? Como fazer? Em que momento fazer? Essas eram umas das minhas muitas duvidas sobre o trabalho. 

Quando cheguei já tinham muitas pessoas esperando na fila para comprar o ingresso ou embarcar direto no bondinho.

Logo descobri que a dinâmica para dar vazão nas filas é muito rápida. Não havia tempo para eu apresentar um número cômico, mesmo que fosse rapidinho. Além do fluxo de pessoas sempre passando na minha frente. Eu não tinha um local fixo para ficar, um espaço que eu pudesse chamar de palco. 

Tentei um pouco de malabarismo com 3 bolinhas, porque é o máximo que consigo, não agradou. Tentei um número de mágica, também não de certo. Minhas tentativas de fazer algo como uma apresentação, todas falharam.

Então comecei a conversar com as pessoas. Trocar ideia,  perguntar de onde eram, se era a primeira vez no bondinho, no Rio de Janeiro. Dependendo do lugar de origem da pessoa eu mandava alguma piada, falava algo que eu sabia sobre o lugar.  Tudo isso no máximo de idiomas que eu conseguisse, mas basicamente era português, espanhol e inglês. 

Aos poucos fui percebendo que as brincadeiras e as mágicas deveriam ser um coadjuvante na minha interação verbal com as pessoas. 

Aos poucos fui criando piadas da situação de esperar na fila. Da temperatura. Da roupa que as pessoas vestiam. Enfim, minhas habilidades de criar piadas verbais, o famoso stand-up, vieram muito a calhar nesse trabalho. 

As vezes eu conversava com uma pessoa, outra hora com um grupo de pessoas e sempre buscando encontrar algo engraçado para fazer o povo rir.

Nos primeiros dias eu sempre havia uma pressão da minha parte para que tudo que eu fizesse ficasse natural. As piadas, a brincadeiras físicas, as mágicas eu precisava que tudo tivesse um fluxo, uma conexão para entreter as pessoas tanto paradas na fila quanto em movimento. 

Até as 13h eu fiquei na parte de baixo do bondinho, no pergolado. Foi quando a fome bateu e eu tive que ir almoçar. O refeitório fica no primeiro morro, o morro da Urca, e lá fui para minha primeira vez de palhaço no bondinho cheio de turistas.

Eu estava dentro do bondinho com mais 64 pessoas e quase todas essas pessoas me viram na entrada e agora eu, ali dentro. Me bateu um desconforto, uma dúvida do tipo: “Será que tenho que fazer algo engraçado aqui também ou deixo as pessoas aproveitarem a vista. A final de contas, foi pra isso que elas vieram.” Como sou macaco velho nesse negócio eu deixei rolar, sem forçar nada. 

Muitas vezes quando eu subo no bondinho as pessoas tiram foto comigo, conversam, interagem comigo. Mas outras muitas vezes não rola nem uma troca de olhares. É com se não vissem um cara vestido de palhaço com 1,87m de altura parado no meio do bondinho. Eu simplesmente, deixo rolar. 

Depois do almoço, como eu já estava lá encima, fui dar uma volta pelo lugar para ver como seria a reação das pessoas a mim. Foi bem legal. Muita interação verbal. Somente dizendo: Olá, como vai? E ai, tá curtindo? Já tirou quantas fotos até agora? Frases nesse sentido. 

Tem muita fila também nas estações onde as pessoas pegam o bondinho para irem para o morro mais alto, chamado de morro do Pão de Açúcar, bem como na estação onde as pessoas voltam para o nível do mar. 

A interação nas filas dos morros é diferente. É sempre abordando o que elas acharam, do que gostaram, para onde vão depois dali. 

Uma lembrança do primeiro dia que tenho é que em certo momento a fila estava levando quase uma hora ou até mais para a pessoa entrar no bondinho. Mas em qualquer lugar da fila que eu passava eu dizia:  “Pessoal, calma só mais vinte minutos e já chega.” Eu falava bem alto isso. Momentos depois eu falava novamente: “Pessoal, calma só mais vinte minutos e já chega.” E alguém me dizia: Você disso isso quando eu estava lá atrás. E eu respondia: “Viu, deu certo. Você chegou até aqui, agora só falta mais 20 minutos e menos 20 minutos do que faltava.” As pessoas começavam a rir muito disso. Vai entender.

No primeiro dia como eu tinha ido de Uber, na hora de eu ir embora, às 20h, o preço do Uber estava muito mais caro do que o normal, então comecei a caminhar para sair daquela área do bondinho, para ver se o preço baixava. 

Eu já estava longe do bondinho, esperando o Uber chegar, sentando no calçada olhando para o meu celular quando passa um carro e um cara grita: Calma palhaço, falta só vinte minutos pro Uber chegar. 

Me deu uma enorme sensação de dever cumprido. Eu sabia que tinha feito meu trabalho bem feito. E mandei o cara tomar suco de caju, mentalmente. 

2º ( Domingo )

Mesma rotina em casa para sair da cama. 

Nesse dia fui de bicicleta. 

Quando cheguei no bondinho, para minha surpresa, VAZIO! Não havia pessoas esperando para entrar. 

Cumpri os trâmites de chegada. Prender a bicicleta. Pegar o crachá. Maquiar. Ir para o pergolado. 

No Domingo tinha muito menos gente vindo passear no bondinho. Basicamente eu interagia com as pessoas enquanto passavam por mim. Quando formava filas, com menor de 10 minutos a fila já tinha terminado. 

Essa situação de Domingo estar vazio comparado a Sábado mostrou-se um padrão nesse tempo que trabalhei lá. 

Repeti as mesma coisas que tinha feito no Sábado e assim fui aprendendo. 

E como todo trabalho, os dias seguintes que lá estive já tinham uma rotina. Eu sabia o que fazer, como fazer e quando fazer.  

CONSIDERAÇÕES 

Uma experiência incrível a nível de desenvolvimento artístico.

FATOS CURIOSOS

FATO 1

Por 3 vezes, mas em dias diferentes, me ofereceram gorjetas. Eu não aceitei! Não sabia se podia aceitar ou não, mas achei mais prudente agradecer imensamente, mas não aceitar.

Todas as vezes que me ofereceram gorjetas foi porque eu brinquei com os filhos das pessoas. Uma forma de agradecimento por ter entretido as crianças durante o período de espera.

Fiquei surpreso e feliz. Me ofertarem gorjeta, sem eu pedir, é uma forma de reconhecimento do trabalho bem feito.

FATO 2

Na frente do pergolado, onde começam as filas para entrar no bondinho, tem muita gente trabalhando. Vendedores de água, churros, pipoca, muitos guias de turismo que oferecem passeios para outros pontos turísticos e tem também 3 artistas de rua. Um Chaplin, um Stormtrooper e uma estátua-viva.

Já no primeiro dia fui trocar uma ideia com o pessoal.

Fui deixar claro o que eu estava fazendo ali e que não seria mais uma distração para eles executarem o trabalho deles.

Pude conhecer um pouco sobre a história do Chaplin e do Stormtrooper. Irei escrever mais sobre eles em outro momento.

FATO 3

Uma das perguntas que ficaram na minha cabeça, que até o momento que escrevo esse texto ainda não fui em busca da resposta, mas irei. A pergunta é: Em que momento da vida os adultos deixam de gostar de palhaço?  

Quando falo gostar me refiro ao fato do adulto ver a figura do palhaço e passar por ela sem nem olhar.  Ou as vezes olhar e não entender o que significa ter um palhaço parado ali, naquele lugar.

Todas as crianças que passaram por mim, se não interagiam comigo, pelo menos olhavam para mim. Buscavam o meu olhar, a minha atenção para trocar um sorriso ao menos. 

Essa minha questão com os adultos não tem relação com algo poético, lúdico, romântico nada disso. Acredito ser algo bem racional. Quando você vê um palhaço a coisa mais certa que existe é que ele está ali para lhe divertir. Porque não se permitir um momento de alegria simplesmente ao olhar o palhaço, mesmo que ele não faça nada. Sei que tem muita gente que tem medo de palhaço, mas esse não é o caso aqui.

Eram poucas as pessoas que trocavam sorrisos comigo lá na fila de graça. Eu precisava fazer algo para tirar sorriso de adulto.  Acredito que por causa da proximidade física entre nós. Porque quando eu estava na bicicleta, era só cruzar o olhar que as pessoas sorriam. 

Enfim…. Vou trocar uma ideia com meus amigos psicólogos a respeito desse assunto.

E foi isso!

Com o passar do tempo, novos entendimentos sobre a experiência desse trabalho irão surgir e prometo registrar aqui. Assim até eu tenho onde buscar lembranças.

Obrigado por ler até aqui…aproveita e deixa um comentário sobre seus pensamentos a respeito do que você leu.

Abraço 

Meu Palhaço no Bondinho do Pão de Açúcar

1 comentário em “Meu Palhaço no Bondinho do Pão de Açúcar”

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