Pierre Rosa

Final do expediente

Tempo de leitura: 6 minutos

Eu tava dormindo. E quando acordei…bum plaft tung soft… lá estava ela.
Que cagaçooooo….
Saltei do sofá, sim dormi no sofá naquela noite.
A morte em carne e os….
Em roupão de banho preto com capuz e a foice.
Na real o susto foi mais por ter alguém ali do que pela roupa e foice.
Fui dormir sozinho e acordar com essa imagem…puta susto de matar.
De matar…. ahahhaaha…entendeu….morte…de matar… hahha…enfim.
Levantei em um pulo e quando comecei a raciocinar logo vi que eu ainda
esta sob influência da noite passada.
“O que eu bebi? O que eu bebi?”
Eu me perguntava.
E saiu uma voz do roupão de banho.
“Cerveja e cachaça.”
Outro puto susto. Primeiro porque fala e depois porque sabia o que
bebi. E depois do depois, essa porra tava de observando faz tempo
para saber isso.
Agradeci.
“- Valeu!”
Ela respondeu
“- De nada.”
Perguntei:
“Ei, eu já morri?”
Ela respondeu.
“- Ainda não.”
Ai eu perguntei
“- Eu vou morrer.”
Ai ela respondeu
“- Então tô esperando.”
Putz ai eu fiquei em silêncio mas depois perguntei
“- Esperando o que.” Curiosidade mata. Pensei na hora.
“- Eu acho que estou no lugar errado. Não tenho certeza.”
Ela respondeu.
Minha chance.
“- Eu tenho certeza que você está no lugar errado.”
Ela me olhou com aquele rosto sem olhos e sem rosto. Nem sei
mesmo se ela me olhou mas seu eu fosse ela teria me olhado
com aquele olhar de quem contesta um sarcasmo sem falar nada.
Curiosidade mata mesmo.
Perguntei
“- Mas o que falta pra você ter certeza? “
“- Eu perdi a lista das entregas de hoje. Pedi para me enviarem
outra mas até agora nada. Tá tudo sem sinal. “
Foi quando eu me dei um beliscão muito forte. A morte com um
celular da época do Epa nas mãos e me dizendo que está sem
sinal. Só posso estar sonhando. Pedi pra ela me dar um beliscão.
Caralho que dor. Ficou um hematoma gigante na hora.
” – Tá achando que tô de sacanagem, né Zé? “
Putz, ela me chamo de Zé, isso quer dizer que ela não sabe meu verdadeiro
nome. Pensei
“- Claro que sei seu nome mas você vai escrever essa história se eu estiver
no lugar errado e então é melhor eu não falar seu nome.”
“- Nossa, obrigado pela consideração, dona……” Fiquei em silêncio na espera
que ela completasse a frase, mas nada. Então eu completei.
” – …. morte. “
” – Ta ai, sinal voltou.”
Foi ai que quase morri sozinho. Achei que morreria de susto.
“- Desculpa ai, Zé. Não é você. É outro Zé. Na hora esqueci que você não é Zé. “
“- Tranquilo. Você vai agora pegar esse Zé?”
“- Agora? Eu não vou pra lugar nenhum.”
Era só o que me faltava ter que aguentar a morte de visita em casa.
“- Meu expediente acabou. Já são 6 da matina.”
“- Ué, como assim, seu expediente acabou? Achei que você não tirasse
folga.”
” – A morte não tira folga mas nós sim. “
” – Nós? “
” – Sim, sou terceirizado para ajudar a morte. Faço a coleta na parte da
noite aqui nessa região.”
” – Então existem várias mortes? “
Curiosamente fiquei interessado no assunto da morte. Era tudo novidade pra mim.
Conhecer a morte que não era A morte e sim um funcionário da morte. E convenhamos,
se entrasse alguém agora ali no meu apartamento e visse aquele roupão preto sentado
na cadeira conversando comigo, com certeza essa pessoa morria.
Conversamos por horas. Ela me contou sobre o roupão preto, a foice, sobre como
faz o sistema de coleta, quem são os selecionados e muitas coisas que eu jamais
poderia imaginar.
E também fiquei sabendo que A morte. A original entrou em depressão séria a milênios
atrás por que no meio dos anjos ela não era considerada um anjo e no meio dos
demônios ela também não era considera um demônio. Foram séculos de tratamento,
recolhimento e muita meditação. A expressão a ovelha negra da família surgiu com a
morte.
O papo foi que foi até o telefone tocou.
A Morte S/A instalou um GPS em cada agente terceirizado e como ela ainda estava na
sua área de trabalho foi chamada para ajudar outra morte em um caso de mortes
em séries que ocorreram.
Mas antes dela sair fizemos um acordo.
“- Pô, gostei de você. “
Eu disse.
” – Eu também. Nunca tenho a oportunidade de conhecer nosso clientes.”
Ela disse.
” – Então quando eu for morrer você poderia vir me buscar.”
Eu disse.
” – Faz um seguinte fica morando por essa região que com certeza eu virei.
Faz dois milênios que estou por essas bandas. Mas vê se morre a noite.”
Ela disse.
“- Pode deixar. Não tenho a intenção de mudar e também prefiro morrer a noite.”
Eu disse.
Nos abraçamos e ela se foi.
Fui tomar um copo de água para ajudar a digerir o acontecimento. Como era
cedo deitei e dormi.
Eu tava dormindo. E quando acordei…bum plaft tung soft… a cadeira estava vazia.
Olhei por todos os lados do meu pequeno apartamento. Foi um sonho.
Porra do caralho…que pesadelo.
Fui tomar banho.
Porra do caralho….um puta de um hematoma no meu braço.

Final do expediente

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