Era tarde da noite e cedo do dia naquela madrugada. A padaria estava vazia e eu estava preocupado com nada.
Ficar preocupado com nada é realmente preocupante pela falta de preocupação que a vida as vezes coloca na frente da gente.
Uma mulher muito bonita entra na padaria.
Calma ai, vou escrever diferente.
Uma mulher muito bonita adentra a padaria em algum momento. Minha cabeça já estava rodando e em nada pervertido pude pensar sobre ela pois em questão de segundos ela estava sentada na minha frente. Pra deixar mais claro. Ela estava sentada na minha frente e na minha mesa.
Se tem coisas que podemos esperar quando não estamos esperando nada é que tudo aconteça. E aconteceu. Mas algo me dizia que eu não tinha menor chance de levar aquela bela espécime feminina para minha casa e provar cada parte daquele corpo.
Ela: Oi, posso sentar? Já sentei. Tudo bem? Deve estar, porque você está aqui sozinho de boa. Posso te perguntar uma coisa? Isso já foi uma pergunta, né? Ops, outra pergunta. Tenho que parar com isso. Tudo bem? Eu sou Janice. E você é o Zé, certo, que mora no vigésimo terceiro e é escritor, certo?
Eu: Tudo bem.
Janice: Zé, posso te chamar de Zé, né? Pessoas como você, pessoas que escrevem a vida, pessoas que colocam as palavras para explicar, decifrar a vida, como pode a vida ser tão complicada assim?
E ela ficou sem falar. Esperei para ver se ela iria continuar com as perguntas. Quando eu disse que tudo pode acontecer quando se espera nada, jamais imaginaria isso.
Eu: Então, Janice, não sei explicar isso. Mais alguma pergunta?
Janice: Desculpa, Zé, desculpa. Eu sei, falo demais. Faço muitas perguntas. Todo mundo diz isso. Não consigo evitar. É algo que está dentro de mim.
E ela parou de falar. Pensei: “Eu posso levantar e ir embora agora. Mas se eu for eu não saberei nada sobre ela e como eu estava esperando por esse tudo dentro do nada, vamos lá.”
Eu: Sem problemas Janice, estou aqui fazendo nada. Tenho tempo pra conversar.
Quando eu terminei de falar parece que eu desliguei uma chave dentro dela. Foi como ver uma bexiga de aniversário desinchar muito rapidamente. E como um representante vivido da espécime humana macho logo pensei que tinha dito algo errado pra ela. E ali ela ficou sem falar por um minuto. Sessenta segundos para uma mulher ficar quieta é algo como eternidade.
Janice: Obrigado, Zé.
Zé, quero dizer, Eu: De nada. Mas pelo que?
Janice: Eu precisava conversar.
Eu: Nós conversamos?
Janice: Você é esperto. Não. Só eu falei.
Eu: Falou?
Janice: Não. Só fiz perguntas. Você é bom mesmo, hem!
Eu: Ainda bem que mais uma pessoa no mundo acha.
Janice: Quem é a outra?
Eu: Eu.
Janice: Você é engraçado. ( em meio a risadas muito fortes para uma piada tão sem graça )
Eu: Obrigado. Eu acho.
Janice: Eu tô com um problema.
Ela falou como se eu tivesse interesse em saber. E pelo jeito que foi dito eu iria ficar sabendo. Nessa hora, quando tenho que ficar sabendo de algo que antes nada sabia e nunca me interessou o tudo que saberei tentarei transformar em nada. Mas vamos lá.
Janice: Zé, o que é o amor? Porque eu não consigo encontrar o amor pra mim? Alguém pra amar. Alguém pra me amar. Alguém que eu posso dizer eu te amo e não me arrepender nunca de ter dito isso. Hein, Zé?? Responde.
Zé: Olha moça, Janice. Eu acho complicado acreditar que você tenha dificuldades em encontrar o amor. Bela, articulada até onde posso perceber e gostosa. Onde está o problema em encontrar o amor?
Janice: Você não entende. Não tô falando do amor-sexo. Alguém para dividir uma vida. Quero poder acordar do lado de alguém todos os dias. Ter compromissos com essa pessoa. Conquistarmos uma vida juntos. Almoços e jantares de família. Viagens em volta do mundo. Talvez alguns problemas recorrentes do cotidiano. Eu quero achar isso. Onde tem essa pessoa? Como conhecer? O que eu devo fazer?
Aí, eu, Zé ( claro que você sabe que meu nome não é esse, mas como você também só me conhece por Zé, vou continuar) sentado em uma mesa de padaria na madrugada sem nada pra me preocupar da vida consigo atrair uma mulher que ao invés de querer foder comigo ela quer conversar sobre o porque ela não encontra o amor. Que sina essa minha de atrair os loucos que vagueiam pela noite.
Eu: Janice eu ….
Ela colocou o cotovelo sobre a mesa e apoiou o queixo na mão. Agora terei que dar uma puta explicação, porque é isso que essa vaca está querendo. Sim, vaca, mil vezes vaca. Se fosse um homem eu mandaria tomar no meio do rabo e ir achar outra pessoa pra encher o saco. Mas como é uma mulher terei que ser no mínimo educadinho.
Eu: ( continuando) …acho que você está equivocada ao procurar pelo amor. Amor é algo que não se acha, que se encontrar, amor não é algo que aparece. Amor já existe dentro de você. Você ao invés de procurar alguém para poder libertar essa paixão que há dentro de você, talvez fosse prudente você liberar essa paixão em seu próprio beneficio. Amar a você mesmo com muita força. Não digo pra ser uma narcisista mas amar seus momentos da vida. Amar cada palavra que você fala. Amar cada comida e bebida que você puder ter. Amar cada conversa com um amigo, com um estranho, com um animal. Amor tem que emanar de você e assim dessa forma atrairá amor de volta. Se eu te jogar uma pedra você não vai me dar um beijo de volta. Amor é bem assim também.
Como eu pude dizer algo como isso, até hoje eu não sei. Mas há momentos na vida que a inspiração vem da vontade de acabar com uma conversa com uma estranha.
Janice: Mas você já amou alguém?
Vaca, mil vezes mil vezes vaca. Ela quer virar a conversa. O papo é sobre ela.
Eu: O assunto aqui é você, menina.
Janice: Obrigada pelo menina. ( quase vi uma pequena chance de levar ela pra casa, mas passou rápido) Eu conheci esse cara. Tudo parecia que ia ser maravilhoso. Bonito, educado, trabalhador, romântico… ( nesse momento eu pensei: É viado! – Esse pensamento é inevitável na cabeça de um homem quando ouve outra pessoa descrevendo um homem assim. Mas vamos continuar) …enfim, um verdadeiro principe encantado.
Eu: Uma vez eu viajei centenas de quilômetros para conhecer uma mulher que…
Janice: Mas tinha algo errado. E eu não sabia o que era. Era algo muito forte.
“Eu sei o que era sua vaca. Essa mania de só você querer falar e interromper os outros. Não saber ouvir. São duas orelhas e uma boca e você consegue usar a boca em dobro do que as orelhas.” Era isso que eu estava pensando enquanto ela falava um monte de coisa que não me interessava.
Janice:… o que você acha, Zé?
Eu: Acho que você não deve se apressar. Um dia você vai cruzar com o amor da sua vida na esquina e ai vai rolar algo mágico. Não sei dizer se será um olhar, um cheiro, uma palavra mas algo vai rolar.
Janice: Muito obrigado por suas palavras. Queres uma cerveja?
Eu: Opa, agora sim.
E acredite, eu fiquei mais três garrafas de cerveja ali com a Janice e depois fui embora enquanto ela ficou lá. Três garrafas foi o que eu consegui aguentar, ou melhor, o que meus ouvidos conseguiram aguentar antes do meu cérebro gritar para eu sair daquela mesa.
Ao sair da padaria fiquei pensando como ela sabia quem eu era mas ao cruzar a portaria do prédio não foi difícil adivinhar quem teria dito pra ela. Porteiro é sempre o cara mais manipulável do mundo. Um prato de salgadinhos e bolo do aniversário que ela sabe está rolando no seu apartamento. Uma camisa nova que você não gosta. Ou um decote que mostra trinta por cento dos peitos e ele fala tudo que sabe. Mesmo que esse tudo seja quase nada.
Desse dia que lhe contei até o próximo da que vou lhe contar passou mais ou menos duas semanas. Nessas duas semanas eu nunca mais tinha visto a Janice.
O cenário era o mesmo. O horário era um pouco mais cedo. E eu estava no mesmo lugar, literalmente mesmo lugar, mesma cadeira. Mesmo tudo. Acho que até a roupa.
“ Ser humano e ser um ser humano
Um cano de água de um conjunto de encanamento
O que acontece quando se descobre que o destino é o mesmo
é a simples transformação da perplexidade do desperdício
deixados ao longo do caminho” P.R.
E lá estava eu e dois caras sentados na mesa mais próxima a mim. Não sou do tipo de cara que presta atenção na conversa dos outros. Mas como nada tinha pra fazer naquele momento me entretive com o papo deles e minha cerveja. E pra minha supresa foi como se o universo movesse a energia de uma mesa para outra. Um sinergia absurda entre o impensável e o incompreensível. Um cara reclamava da vida amorosa dele e pedia conselhos ao outro sobre como encontrar o amor da sua vida.
Se fosse duas semanas atrás tudo seria mais fácil para ele. Pensei em dizer-lhe mas contive-me apenas a ouvir. E ai você já sabe, o blá blá blá é sempre mesmo. Até que certo momento, aquele momento onde meus pensamentos eram mais interessantes que o papo que eu ouvia, um deles vira pra mim e pergunta: O que você já fez pra conhecer o amor, meu amigo ai sozinho?
Eu: Rapaz, uma vez viajei centenas de quilômetros para conhecer uma estranha que depois disso…
Um deles: Viu, o cara teve que viajar e você acha que vai aparecer alguém aqui nessa espelunca pra você.
O outro deles: Como você é cruel.
Eu já estava de fora de conversa de novo. E pra minha sorte a noite prolongou-se sem mais novidades ao ponto de eu voltar para meu apartamento. Entrei no no elevador com um casal. Dava pra sentir que eu estava atrapalhando eles ali no elevador. Se eu não tivesse naquele elevador com eles sabe-se lá o que estaria acontecendo.
Olhei pra cama e ela nada disse pra mim então mantive-me em pé.
Um copo de um vinho aberto a três dias estava na geladeira. Sentei-me a observar o despertar da cidade da janela do vigésimo terceiro andar quando olho para padaria vejo algo inusitado.
Janice está parada no sinal para atravessar a rua e aquele outro cara que estava reclamando da vida amorosa estava do outro lado da rua esperando o sinal abrir. Eles iriam se cruzar. Puta que pariu, pensei, o universo é muito foda. As energias se atraem mesmo. Boa oportunidade para começar a acreditar em Deus. Meu coração disparou. Um gole de vinho como se fosse tequila. Sinal abriu. Lá vão eles. Janice pega o celular o cara também. Ao se cruzarem ambos estão olhando para seus celulares. E assim a vida seguiu. Eles cada um de um lado da calçada em sentidos opostos na busca da mesma coisa e eu ali na janela do vigésimo terceiro andar arrependido de ter tomando todo o vinho em um gole só.
Ouvi meu nome ser dito e quando olhe pra cama meu travesseiro já estava me chamando.